Os limites do Contrato de Trabalho Intermitente

  • Por: CRVB Advogados

OS LIMITES DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

por Victoria Catalano Corrêa Guidette

 

A nova modalidade de contrato de trabalho advinda na CLT com a reforma trabalhista, o contrato de trabalho intermitente, tem sua definição no artigo 443, § 3º da Consolidação:

Art. 443.  O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.
§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Dessa forma, segundo a definição do contrato intermitente, paga-se o salário de acordo com cada período de atividade, os quais não são contínuos. Ainda, outro ponto fundamental para caracterizar essa modalidade de contrato é a ocorrência de períodos de inatividade, sendo necessário verificar o caso contrato e circunstâncias em que se demandam os serviços.

O contrato intermitente parece ser uma opção atraente aos empregadores, pois, à primeira vista, prevalece a imagem de haver uma autorização legal para pagar os trabalhadores e convocá-los para o serviço de acordo com a demanda da atividade patronal.

Porém, é imprescindível levar em consideração em qual seguimento profissional e em quais circunstâncias o contrato intermitente será adotado, observando: (i) quais atividades os intermitentes realizarão; (ii) com que frequência serão convocados; (iii) a convocação dos intermitentes será contínua ou somente por um período; e (iv) qual o intervalo entre as convocações.

Em uma decisão proferida no TRT de Minas Gerais, foi considerado nulo o contrato de trabalho intermitente de um ajudante já que os períodos de convocação do trabalhador eram em datas próximas, descaracterizando assim a intermitência e caracterizando a continuidade:

“No caso dos autos, as convocações ocorreram de 23/10/2019 a 22/11/2019, de 23/11/2019 a 20/12/2019 e de 21/12/2019 a 15/01/2019, ou seja, sem qualquer interrupção ou solução de continuidade. Além disso, ao término de cada período foram quitados somente o salário, DSR, horas extras e salário família. Note-se, por exemplo, que as férias proporcionais referentes a todo o pacto laboral foram quitadas por oportunidade da rescisão contratual (TRCT id de0d0f0) e não ao término de cada período de convocação. Desse modo, a existência formal de contrato de trabalho intermitente não se mostra relevante ao deslinde da controvérsia, em face do princípio da primazia da realidade sobre a forma, vigente no Direito do Trabalho, o qual relega a segundo plano os aspectos formais que envolveram as partes, para fazer prevalecer, incólume, a efetiva realidade vivenciada entre elas. No caso concreto, dos elementos trazidos aos autos emerge realidade fática diversa daquela descrita na peça contestatória e verifica-se que o contrato de trabalho era, de fato, por prazo indeterminado.”¹

No entanto, ordenamento jurídico ainda é omisso quanto ao número máximo ou mínimo de convocações, ao intervalo entre cada uma e quais são as atividades que podem ser objeto da celebração; a única determinação expressa no artigo 443 da CLT é a desautorização da contratação de aeronautas no modelo de contrato intermitente.

Agora, tal omissão não significa uma abertura ampla e irrestrita para que qualquer empregado se enquadre como um intermitente; os próprios princípios do Direito do Trabalho nos auxiliam nessa definição de pontos não esclarecidos pela lei, como, por exemplo, o princípio protetor, o da condição mais benéfica, o da continuidade da relação de emprego e da blindagem contra a precarização das condições de trabalho – prevista no artigo 07º, caput, da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, diante da novidade do artigo 443 da CLT, a jurisprudência vem consolidando seu entendimento na necessidade de preservar os patamares mínimos de proteção ao trabalhador para coibir a contratação desenfreada e indiscriminada de intermitentes, senão vejamos:

CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE – NECESSIDADE PERMANENTE – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE QUANTIDADE MÍNIMA DE HORAS DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – CONDIÇÃO POTESTATIVA – NULIDADE – A validade do contrato de trabalho firmado nesses moldes está condicionada à demonstração de uma demanda efetivamente intermitente, com períodos de atividade e inatividade, afigurando-se indispensável a indicação de uma a quantidade mínima de horas de efetiva prestação de serviços, sob pena de se admitir a formalização de contrato de trabalho com objeto indeterminado ou sujeito a condição puramente potestativa, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico nacional.
É ilegal substituir posto de trabalho efetivo (regular ou permanente) pela contratação do tipo intermitente; não pode o empregador optar por essa modalidade contratual para, sob tal regime, adotar a escala móvel e variável de jornada. (TRT-05ª R. – RO 0000547-39.2018.5.05.0133 – Rel. Esequias Pereira de Oliveira – Inf. 19.03.2021)

CONTRATO INTERMITENTE – NECESSIDADE PERMANENTE – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE QUANTIDADE MÍNIMA DE HORAS DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – CONDIÇÃO POTESTATIVA – NULIDADE – Instrumento de aplicação restrita às hipóteses em que a intermitência da demanda justifique flexibilização da regra geral de contratação indeterminada, com períodos de atividade e inatividade, sob pena de precarização das normas de proteção ao trabalho por desvirtuamento. (TRT 05ª R. – RO-RSum 0000134-66.2020.5.05.0194 – Rel. Esequias Pereira de Oliveira – Inf. 19.11.2021)

Dessa forma, a demanda contínua e as convocações frequentes descaracterizam a intermitência e aproximam à modalidade contratual indeterminada.

Para coibir a precarização laboral do contrato indeterminado, a negociação coletiva desempenha forte importância nesse sentido ao restringir e especificar em quais situações pode haver contratação de intermitentes. Com efeito, a CLT conferiu autorização legal em seu artigo 611-A para que as negociações versem sobre jornada de trabalho, incluindo o tema específico sobre o contrato de trabalho intermitente.

Contudo, mesmo com tal permissão em lei, necessário averiguar se no teor da norma coletiva constam elementos que possam ensejar uma nulidade do contrato, por exemplo ao autorizar que determinada atividade, antes desempenhada por empregados em contrato por tempo indeterminado, tenham o contrato convolado em intermitente, o que certamente infringiria o princípio constitucional da irredutibilidade salarial e da garantia ao salário mínimo (artigo 7º IV, VI da CF/88).

Por um lado, seria válida a delimitação em norma coletiva para autorizar a contratação de intermitentes somente em determinados períodos do ano, em razão do incremento nas atividades do empregador, por exemplo, por motivos sazonais. Por outro, em outras atividades nas quais se verifica maior constância e continuidade, possivelmente ocorreria a nulidade do contrato intermitente.

A título de exemplificação, autorizar a cobertura de folgas e faltas são circunstâncias contínuas e que inclusive esbarram na exigência do artigo 452-A §1º da CLT que recomenda a exigência de um intervalo mínimo de três dias corridos para realizar a convocação. Nessas hipóteses, a contratação de trabalhadores em tempo parcial se revela como medida mais adequada para atender esse tipo de demanda. Mesmo que preveja o recebimento de um salário reduzido, no contrato a tempo parcial, garante-se um valor fixo. No contrato intermitente, por sua vez, o empregado pode permanecer por longos períodos de inatividade e, havendo a substituição entre uma forma de contrato por outra mais prejudicial, há risco de ser considerada nula norma coletiva que assim o autorize.

 

¹ https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-do-trabalho-acolhe-nulidade-de-contrato-de-trabalho-intermitente-para-trabalhador-que-presta-servicos-de-forma-continua

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