A QUALIDADE DE SEGURADO SOB A DURA ÉGIDE DA LEI 13.846 DE 2019: EXCLUSÃO DO AUXÍLIO ACIDENTE E A APLICAÇÃO DO FATO GERADOR
por Hellen Oliveira da Silva
É verdade que nos últimos tempos a seara previdenciária vem sofrendo abruptas transformações legislativas, algumas boas e outras não, o fato é que órgão autárquico vem recebendo o chamado PENTE FINO, desde a época da Medida Provisória 871/2019 publicada em 18 de janeiro de 2019, convertida hoje na Lei 13.846 de 2019.
Inicialmente, a MP 871/2019 foi criada para duas situações: Apuração de irregularidade dos benefícios pagos através da análise dos servidores públicos e peritos judiciais e segundo, revisão administrativa dos benefícios concedidos, sendo que esse último iniciaria no 1º semestre de 2020.
Contudo já podemos sentir as modificações sendo uma delas na qualidade de segurado. A antiga regra pautada na Lei. 8.213, artigo 15, inciso I previa que a qualidade de segurado seria mantida independentemente de contribuição “sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício”, em sentindo lato interpretamos quaisquer benefícios por incapacidade. Assim, o auxílio acidente cuja natureza é indenizatória, faria jus ao pressuposto da lei, uma vez que a sua manutenção era constante devido a seu recebimento decorrer da perda ou redução da capacidade laboral sofrida pelo obreiro.
Portanto era comum a pessoa receber o benefício durante 10, 15, 20 anos, e somente vir cessar com a concessão das aposentadorias compulsórias, salvo regramento de acumulação dos benefícios fixados até a data 11/11/1997, nos termos da súmula 507 STJ.
Assim, quando é mantida a qualidade, o segurado poderá usufruir de quaisquer benefícios previsto pelo INSS, desde que preencha os demais requisitos necessários para a concessão.
Contudo a nova lei alterou o dispositivo, excluindo o benefício do rol de qualidade de segurado. A dúvida, assim, recai sobre o aspecto intertemporal dessa mudança, uma vez que a lei foi promulgada faltando 1 dia para decair seu direito, no qual acresceu essa exclusão que a MP 871/2019 não abarcava.
Devido aos aspectos intertemporais da regra normativa, a dúvida permanecia sobre a interpretação do direito adquirido e sua manutenção até a data da publicação da lei 13.846/2019, em 18 de junho de 2019, na medida em que a norma não era expressa no que tange à exclusão do rol de manutenção da qualidade de segurado, podendo constar as seguintes interpretações:
1. Perda da qualidade de segurado a todos os filiados do regime geral da previdência social que tiverem direito ao auxílio acidente a partir da publicação da lei 13.846/19;
2. Mantida a qualidade de segurado para todos filiados do regime geral da previdência social que tiverem direito ao auxílio acidente até data da publicação da lei 13.846/19; ou
3. Perda da qualidade de segurado a todos os filiados do regime geral da previdência social que tiverem direito ao auxílio acidente a partir da publicação do decreto regulamentador ou ato normativo expedido pelo INSS.
Por certo a lei não expressa de forma clara o fato gerador firmado, assim a inovação jurídica trazida pela lei 13.846/2019 com aplicação imediata de rito processual, teve seu artigo analisado por NOTA TÉCNICA n. 00011/2020/CGMB/PFE INSS-SEDE/PGF/AGU, APRESENTADO PELO PROCURADOR FEDERAL FREDERICO AUGUSTO DI TRINDADE AMADO, no qual definiu junto ao DIRBEN (diretoria de benefícios) a seguinte interpretação jurídica do artigo 15, inciso I da Lei n° 8.213/91, refletindo na recente PORTARIA Nº 231/DIRBEN/INSS, DE 23 DE MARÇO DE 2020:
Artigo 1 […]
§ 1° O auxílio-acidente concedido, ou que tenha data da consolidação das lesões, até 17 de junho de 2019, véspera da publicação da Lei n° 13.846/2019, deve ter o período de manutenção da qualidade de segurado de 12 meses iniciado em 18 de junho de 2019, nos termos do artigo 15, inciso II, da Lei 8.213/91, conforme entendimento descrito na Nota n° 00011/2020/CCBEN/PFE-INSS.
§ 2º O auxílio-acidente com fato gerador a partir de 18 de junho de 2019 não será considerado para manutenção da qualidade de segurado.
De forma idealizada, a segurança jurídica mais apropriada seria a criação de regra de transição para os segurados com direito adquirido ao benefício, contudo a lei 13.846/2019 não trouxe essa previsão, assim cabe à própria administração publica fazê-lo, respeitando os princípios basilares do Direito Previdenciário e Administrativo e Tempus Regict Actum.
Neste ponto precisamos relembrar que, uma vez excluída a qualidade de segurado, aqueles que tiveram preenchidos os requisitos do benefício devem ter como segurança jurídica o período de graça, pois o legislador quis manter a qualidade do segurado por 12 meses após a cessação dos recolhimentos das contribuições, por deixar de laborar em atividade remunerada, assim a qualidade é mantida até o momento em que o sujeito possa ingressar novamente ao mercado de trabalho voltando status “a quo”.
Com as recentes modificações legislativas, resta evidente que atuação dos advogados é essencial para restaurar o direito violado dos segurados que ficam ainda mais vulneráveis diante deste cenário de instabilidade econômica, social e de saúde pública.